sábado, 24 de setembro de 2011

SCHOPENHAUER




Na caixa de comentários ao post sobre Brutal-Slam-Death-Metal italiano, a Joana Serrado refere Immanuel Kant. Estou em crer que o filósofo alemão tem muito mais que ver com o espírito grindcore, dada a sua inclinação crítica e, sobretudo, alguns traços de personalidade hoje lendários. Kant raramente se afastou da terra onde nasceu (Königsberg), era um homem de hábitos que se levantava todos os dias às cinco da madrugada e dava, sempre à mesma hora, um passeio a pé. Pontual, cumpridor, metódico, morreu praticamente cego, sem memória nem lucidez. Esta ironia do destino é tipicamente grind, uma música que partilha com Kant, nas suas meteóricas composições, a obsessão metodológica. Os temas grindcore são tão fiéis à sua metodologia que dificilmente conseguimos distingui-los uns dos outros. O mesmo não sucede com o Brutal-Slam-Death-Metal, venha ele de Itália ou da margem sul. Arthur Schopenhauer é quem melhor se adequa ao conceito Brutal-Slam-Death-Metal. Primeiro, porque conseguiu reduzir a filosofia hegeliana a “palhaçada filosófica”, depois porque tinha cara disso e, por fim, porque escreveu algumas das mais sábias considerações sobre a natureza feminina. De nada vale tentarem reduzir a estirpe dos Schopenhauer a um pai suicida, a uma mãe licenciosa e a uma avó louca. Lobo Vilela informa-nos que Arthur nunca teve quem lhe chamasse arturico, viveu na companhia exclusiva do seu fiel Atma, o cão, «passando toda a vida num ambiente árido de afectos, sem família, sem amigos, sem pátria, incompreendido, (…) misantropo, desconfiado, consumindo-se em sinistros pavores: dormia com pistolas carregadas, à cabeceira da cama, não confiava o rosto à navalha do barbeiro e não podia ouvir barulho». Ok. Mas soube vingar-se do destino a escrever sobre o amor como se alguma vez tivesse amado e sobre as mulheres como se alguma vez tivesse molhado o pincel e sobre o casamento como se alguma vez tivesse descido aos infernos. Peço, pois, a vossa máxima atenção para este excerto do Ensaio Acerca das Mulheres:

A natureza, separando a espécie humana em duas categorias, não fez as partes iguais… Foi certamente o que sempre pensaram os antigos e os povos do Oriente; compreendiam melhor o papel que convém às mulheres, do que nós fazemos com a nossa galantaria à antiga moda francesa e a nossa estúpida veneração, que é na verdade a mais completa expansão da tolice germano-cristã. Isto só serviu para as tornar arrogantes e impertinentes: por vezes fazem-me pensar nos macacos sagrados de Benarès, que têm tanto a consciência da sua dignidade sacrossanta e da sua inviolabilidade, que julgam que tudo lhes é permitido.
A mulher no Ocidente, o que chamam de dama, encontra-se numa posição absolutamente falsa, porque a mulher, o sexus sequior dos antigos, não foi feita de modo nenhum para inspirar veneração e receber homenagens, nem para levantar mais a cabeça que o homem, nem para ter direitos iguais aos dele. As consequências dessa falsa situação são demasiado evidentes. Seria para desejar que na Europa se pusesse de novo no seu lugar natural esse número dois da espécie humana e se suprimisse a dama, alvo das zombarias da Ásia inteira, da qual Roma e a Grécia se teriam rido igualmente.
Esta reforma seria um verdadeiro benefício no ponto de vista político e social. O princípio da lei sálica é tão evidente, tão indiscutível, que parece inútil formulá-lo. O que se chama verdadeiramente a dama europeia é uma espécie de ser que não deveria existir. Só devia haver no mundo mulheres caseiras aplicando-se aos trabalhos domésticos, e raparigas que aspirassem ao mesmo fim e se educariam sem arrogância, para o trabalho e para a submissão. É precisamente por haver damas na Europa que as mulheres de classe inferior, isto é, a maior parte, são muito mais para lastimar do que no Oriente
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Schopenhauer, in Metafísica do Amor, 3.ª edição, trad. Lobo Vilela, Editorial Inquérito Limitada, pp. 82-84.

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