segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

LEGIÃO URBANA ("Love Song")

'Love song (Cantiga de amor)', um poema do trovador português medieval do sec XIII Nuno Fernandes Torneol




ARISTÓTELES TAMBÉM ERA BABACA. ELE TAMBÉM TINHA O SEU LADO PODRE.


domingo, 18 de dezembro de 2011

MULA MANCA & A FABULOSA FIGURA ("Dinheiro")


“Eu vou trabalhar
pra ganhar muito dinheiro”
“Você morria de vergonha
das minhas roupas e do meu fusca”
“Paris! Europa! Chile! Argentina!
Girafas! Caribe! Charutos!
Hula-Hula! Baralho! Loiras!
Piscina na cobertura!
Massagem, passagem, uma bela paisagem!
Ah, você só vai olhar!”



NOVOS BAIANOS


Acho que os Novos Baianos nunca foram, nem são, conhecidos em Portugal. Experimentaram vários registos: bossa nova, frevo, baião, choro, afoxé e até rock. Bumbaram na década de 70. 



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

CONFRARIA DA COSTA

Pronto, já vim. Deixo-vos a Confraria da minha família, uns moços que até parece que se chamam Silva ou Antunes ou mesmo Lopes, brasileiros bacanas que depois deste post vão de certeza ficar conhecidos no mundo inteiro (o que é uma desgraça mas é  para aprenderem a ficar quietos como eu). 



Se o Facebook não sinaliza o fim do indivíduo que começou a existir em meados do séc. XVIII - desvinculação da máquina divina e pretensão de originalidade -, que me caiam os dentes todos. E aora fou auí fer as nofidades no feixefook e xá fenho.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011


REVOLUTION


Quando a revolução chegar eu vou estar preparado, desligarei
a televisão e o choro dos filhos dos outros.
Quando a revolução chegar, eu abrirei a janela para saudá-la; o vento
dará outro contorno à fotografia.
Pensarei então, Ainda  bem que vivi para ver este dia,
o último dia, o dia em que a revolução
chegou.


Rui Costa

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

REVOLUTION


"As moças do fundo da sala podem gritar; as da primeira fila por favor chacoalhem as jóias!" - John Lennon, não exactamente com estas palavras



NORMA STITZ E CRÍTICA LITERÁRIA, JMS, SILVIA BEYRUTE, OSCAR WILDE, LARANJA MECÂNICA ou COMO UNIR O MUNDO DO CORPO AO MUNDO DO ESPÍRITO



Nunca conheci nenhuma pessoa tão sugestiva como o filme “Laranja Mecânica” (a primeira parte) ou com tanto sentido de humor quanto as peças de teatro do Oscar Wilde. Nenhuma das obras referidas, porém, tem um peito tão humanitário ou sorridente quanto o da senhora que resgato ali de um blog na lista da direita. Já lá vamos.

Queria dizer-vos que é possível unir o mundo do corpo ao mundo do espírito (afinal tenho fé). Vou dar o exemplo, aproveitando uma crítica do José Mário Silva ao livro de poesia de uma senhora chamada Silvia Beyrute.

Diz o crítico acerca dos poemas de Beyrute:
- É um livro “desigual”.
Digo eu:
- Por acaso esta também, a da esquerda é maior que a da direita.

Diz o crítico acerca do livro da Silvia:
- É um livro “a raiar o pretensioso”.
Digo eu:
- Até está no Guinness e pretende continuar.

Diz o crítico sobre o livro da poeta:
- Os textos perdem efeito na “passagem para o papel”.
Digo eu:
- E esta não perderá nada na passagem para o écran?



Enfim, o mundo do corpo e o mundo do espírito não estão assim tão separados, nós às vezes é que somos demasiado preguiçosos mas isso é um grande defeito, e as duas artistas se se conhecessem até haviam de gostar de ir às compras juntas e assim.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A DIREITA PORTUGUESA




A direita portuguesa diz que não acredita no ser humano e que por isso não está disposta a entregar a condução de um país a um grupo de homens. Assim justifica a liberdade individual que reclama, que permitirá aos que têm mérito alcançarem o sucesso e a riqueza. Não por acaso, os principais (os mais mediáticos, enfim) conservadores portugueses são nascidos de famílias ricas (e na verdade é este o seu principal “mérito”). Acrescentam um toque pretensamente poético ao seu olhar dengoso, enquanto sacodem a poeira imaginária da camisa, dizendo qualquer coisa como: “continuarei a exercer o meu direito de olhar para o mundo com tristeza e melancolia”. Têm bom gosto musical: Morrisey, The Smiths, Joy Division, Leonard Cohen, Peter Murphy e mesmo My Bloody Valentine. 

domingo, 11 de dezembro de 2011

A ESQUERDA PORTUGUESA




A esquerda portuguesa gosta tanto de democracia que continua a criar partidos de esquerda. Um dia não terá apenas uma democracia (eu compreendo que uma só seja um bocado chato), e haverá um partido para cada pessoa de esquerda. 

sábado, 10 de dezembro de 2011

E CREIO SERVIREM ESTAS BABOSEIRAS PARA OCULTAR UM PEQUENO DELÍRIO DO MEU CORAÇÃO


Einstein também tinha o seu absoluto: a velocidade da luz.

O meu absoluto são dois: muruci e taperebá.

Einstein, no entanto, acabou com dois absolutos poderosos e intuitivos: tempo e espaço. Newton, errando, havia dito que espaço e tempo são absolutos.

Einstein passou as últimas décadas da sua vida a trabalhar, sem sucesso, na sua teoria do campo unificado. Deus levantará o véu do espelho e a nossa cara florirá.

É bem possível que se venha a mostrar que a velocidade da luz não é absoluta; que ela pode ser tão relativa quanto o tempo e o espaço (João Magueijo já sugeriu que logo após o big-bang a velocidade da luz era maior).



Entretanto, alheios a tudo isto, os Paralamas do Sucesso dizem que “o impossível é o meu mais antigo vício”.

E creio servirem estas baboseiras para ocultar um pequeno delírio do meu coração. 


domingo, 27 de novembro de 2011

FADISTA MEIRELES



Dei por mim a pensar: será que o povo da Internet só vê grandes filmes e lê grandes livros e ouve musicol do melhor? Ou será que acham que devem pôr no facebook e nos blogs só as coisas excelentíssimas que descobrem? E o fadista Meireles? Será que não gostam do fadista Meireles? Eu gosto do fadista Meireles. Ela canta e curte, sempre com o queixo levantadinho para a sua voz sair à maneira. As pessoas entram e saem da loja e ele canta. Alguém gosta de o ouvir, porque o moço tem uma energia própria (faz o que lhe apetece, tem prazer com isso e se os outros gostarem tanto melhor). Não sei como encontrei o fadista Meireles. Talvez eu não saiba procurar aquelas coisas excelentíssimas como deve ser. Se assim for, olhem, está aqui o (grande) fadista Meireles!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

OS FOTÓGRAFOS



Eles apostam na vida em diferido, porque o momento só existe enquanto arquivo que se pode salvar. A palavra é adequada – salvar – e se eles estão em todos os lugares é porque querem preservar o mundo que nos desaparece, pôr o que ainda vemos a salvo de nós. Num lugar seguro – sem fotógrafos e sem ninguém –, as imagens começarão outro universo, quase saudosas da sua humana origem. Os fotógrafos não são maus mas também não são bons. São como sacos de plástico que trazemos cheios de compras quando vamos ao supermercado. A essência dos sacos é ser continente, ou seja, o seu conteúdo nunca é próprio ou íntimo, eles servem para conter outras coisas. Os fotógrafos enchem-se de coisas que não são eles nem a sua vida só para um dia, quando esta merda toda se transformar num esgoto fervente, poderem mandar para outro universo as fotografias todas que tiraram durante estes anos de intensa actividade. Deixemo-los fazerem o seu trabalho, praticarem a sua crença. Qualquer coisa é fotografável, e na verdade todos merecemos a salvação.

terça-feira, 22 de novembro de 2011


“O que eu acho interessante nos gurpos punk é que eles parecem ser absolutamente prisioneiros dos meios de expressão dominantes.[…] É nítido o quanto eles estão poluídos por imagens de cinema e televisão, o quanto incorporam uma certa representação do star system, do vedetismo, todo um ideal de ego.” (Guattari e Rolnik, Micropolítica – Cartografias do Desejo)

Isto não quer dizer que esforços individuais ou coletivos não possam funcionar como “vetores de revolução molecular” na subervsão da modelização da subjetividade capitalística, como o próprio Guattari admite. Desconfiar das boas intenções mas não totalmente indica o difícil ponto de equilíbrio instável entre consciência crítica (que muitas vezes redunda em passividade) e vontade de ativação do que nos resta de autonomia criativa. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

UM AMOR PORTUGUÊS


A mulher portuguesa não é feliz quando ama. Para ela, o amor não é lugar de felicidade: ser feliz é ser leve e ela entende que o amor deve ser pesado (não esqueçamos que as mulheres engordam enquanto estão grávidas e continuam a engordar depois de parirem, numa espécie de bonita tentativa para dotarem o seu amor do tamanho do mundo). Quando gosta de ti, a mulher portuguesa sofre. Vê como eu sofro por gostar tanto de ti, diz-nos então, com olhos que nos olham só porque já choraram tudo. Se nós nos rimos, apenas desajeitados para sofrer sem vontade, ela não se importa. És uma criança e ainda não aprendeste a amar, pensa então enquanto inclina a cabeça e une as pálpebras esta mulher; e agora é a tua vez de fazer alguma coisa. Pensas nas tragédias do teu país, ou de outro qualquer - não adianta. É quase um sorriso que te baila na cara, inoportuno e vândalo. O que fazer? Na verdade, acho que é importante não termos medo de estragar o sofrimento desta mulher, tratando-a bem, com beijos e palavras meigas. Por duas razões: 1) a capacidade de sofrer desta mulher é indestrutível; 2) um dia vais sentir saudades de ser amado assim, como agora.

NÃO GOSTO DA MÚSICA MAS A MAYSA CANTA "NE ME QUITTE PAS" MELHOR QUE A NINA SIMONE


domingo, 13 de novembro de 2011

FOUCAULT 10, CHOMSKY O


Foucault é um animal bonito, um raro exemplar humano miraculosamente saído da sopa humana que por vezes mais parece uma lavagem de porcos. Admiro-o pela coragem de pensar até àquele limiar em que a metafísica e a fome, a ética e a necessidade, se confundem, deixando perdidos os que ainda precisam dos absolutos que a nossa história produziu: deus, políticos, moral de picha-mole. Estou a simplificar, claro, porque não existe sujeito sem poder, e daí a observação de Foucault relativamente à crença de Chomsky quanto à possibilidade ou obrigação de pensarmos uma sociedade futura justa: não podemos pensar uma sociedade futura justa porque se o fizéssemos estaríamos a fazê-lo com os conceitos de justiça (e outros) que temos e que são o resultado de um jogo de poder de que nos adveio uma subjectividade particular e historicamente determinada [mas podemos resistir ao poder]. Este breve (mas elucidativo) excerto do debate com Chomsky dá pra ver a distância a que Foucault deixa o seu interlocutor, um moço americano simpático, culto, bem-intencionado e ingénuo, à procura de universais e da natureza humana.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011


SEM MAR DENTRO


O mar está sobreavaliado. Não me fascina o seu ruído constante, que para mim é a marca evidente da sua servidão. O mar não deixa de ser mar, apesar das mudanças de cor, da ondulação que embala ou que mata. Oscila entre marés e tem correntes, mas até os peixes, que são estúpidos, as conhecem. Eu sei que a matéria dos peixes os protege e mantém, e que isso é uma forma de inteligência, mas se os peixes têm inteligência é uma inteligência que é igual à do mar, porque é feita de mar, e o mar é apenas o mar, e por isso os peixes são bichos torpes e tu não sais com eles para jantar. São as coisas que não são do mar que o tornam suportável: um barco que naufraga, um polícia marítimo que olha os traficantes de droga e dá ordens e respira apressado. Por isso as ilhas são os lugares mais infelizes do mundo. Por causa do mar. Ela chegou de avião para ser juíza na ilha e ainda trazia um pouco de terra nos sapatos. Ele, polícia marítimo, prendeu-a por toda a vida num barquinho salgado, raspou-lhe as escamas, e o vulcão subiu do mar e sacudiu a água e eles ficaram lá em cima, na lavoura arcaica dos filhos e das sopas, dos sonhos, dos remédios, dos armários, no trabalho dos dias. 


terça-feira, 8 de novembro de 2011

O CRIADO MORDE



O homem faz a história, diz Sartre, as estruturas são ações humanas objetivadas. Claro que depois de fazer a História, as estruturas, o Homem (o homem)  torna-se escravo dela(s). O homem torna-se sempre produto do seu próprio produto (Sartre, ó). O homem cria, transforma, é protagonista histórico. E logo a seguir à criação, como castigo pelo seu desaforo, é criado por aquilo que criou. Foi assim com deus, foi assim com o amor. É assim com tudo. Também a vida que criei – oh quarto altíssimo – desceu cá a baixo e agora morde-me as canelas. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

POSSÍVEL 12ª TESE SOBRE FEUERBACH



A DÉCIMA PRIMEIRA TESE DE MARX SOBRE FEUERBACH

Nas suas onze teses sobre Feuerbach, Marx disse, na 11ª tese

 

“Até agora os filósofos só interpretaram o mundo; a questão é mudá-lo.”


Agora, querido Marx, eu não sei como interpretar-te. Eu não sou tu, e se formos estruturalistas como é que se mudam as estruturas? Se formos mais fenomenológicos, fazemos o quê a partir da consciência e dos seus objectos? E mudar o mundo pra pior, também vale? (olha, no meu caso, as mudanças que fiz sempre me deram cá um prejuízo que nem te conto). A donna haraway, por exemplo, gosta de cyborgs e da sua perversidade polimorfa (a ultrapassagem dos dualismos!). E meter um chip de razoabilidade nas pessoas não seria boa ideia? Ou acreditarmos, e esperarmos, que a educação melhore (ainda que façamos alguma coisa por isso)? Ah Marx, não será a mudança um outro deus, tão pequenino e franganote como o anterior? Diz-me já como é que eu devo interpretar-te, ouviste?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SEU ZEN (4)

SE A INTELIGÊNCIA GOVERNASSE O MUNDO, AS MULHERES SERIAM TODAS LÉSBICAS E OS HOMENS DEIXARIAM DE TOMAR BANHO AO SÁBADO.


RC



quinta-feira, 3 de novembro de 2011

LA HABANA (quaselírica para um personagem de Nicolas de Crécy)




Ela perdeu o seu amor, talvez por ser míope (o amor via bem).

Então, ela começou a demorar-se nas sombras, a auscultar-lhe os cuidados (as mãos adivinhavam tudo).

O avançar da miopia trazia-lhe figuras recortadas (tinha vontade de nela meter os pés, como se fosse uma louca).

Era louca, afinal (sorriu e pensou no tal país que nunca veria, um país onde se fumava muito e bebia mojitos) porque acreditava cegamente nas coisas que já não conseguia ver.

Essas coisas – diziam os homens da família (nobres desengonçados e princesas do caruncho) – “são almas que rodopiam em danças daninhas, e que a pretexto delas se esforçam por muito conseguir”.

Ela desentendeu. Abriu as pernas e a visão toldou-se de vez.  

FADO PORTUGAL


o meu país é um jardim feito de mortos,
diria a poetisa (poeta!) da claridade, se estivesse
por aqui e mal-disposta.
olho o meu país e sei que não tem solução (e se tem
eu, sabes piquena, PASSO MUITO TEMPO LÁ FORA!!!
a solução (a cena, a coisa) são pessoas vivas, mas como ressuscitá-las?
Dá muito trabalho (não sei como fazê-lo e, se soubesse,
sou tão preguiçoso). Como fazer um país de mortos?
Vendendo talhões de cemitério aos moribundos? Um país
onde as pessoas viriam morrer?  Morra em Portugal! É barato e não lhe vai fazer mal!
Acho que pode ser qualquer coisa assim (frase tão portuguesa,
não é? “Acho”, mas nunca assumo nada. “Que pode”, porque
tudo pode, cá o Mr. Eu engole tudo (nhanha boa!)! “Ser qualquer coisa assim”,
pois, é isso, agora é que tu disseste 
tudo.




quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A AURA DOS SANTOS



Andam com os cãezinhos pela trela a varrer o caminho, e criam uma força magnética que me afasta os pés, eu quase aos saltos, porque não gosto de ser lambido por animais que depois são tão pródigos que me deixam desossado por dentro (e por fora incisivo). Seguram as crianças pelo cheiro, sabem-no de cor. Descem no elevador a diamantar sorrisos, entra uma e sorri, entra outra e mexe no nenem. Os bacanitos não retribuem os sorrisos e isso torna-se irritante, sobretudo para mim, que nem sempre bom-dio. Já na entrada do prédio, armam o estendal com a sua fortaleza de parideiras efectivas e com resultados à vista. Estendem os minis no pátio, como árvores com o ritual que merecem, e eu quase não desvio a torpeza de ser apenas um. 

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O PENÚLTIMO SEGREDO


O público é uma espécie de broche, pode ser mal feito mas às vezes dá jeito. Se for chinês, chama-se brochim (vem no cinema). No fundo, todos devem estar agradecidos ao público: os bons artistas, porque o público se afasta deles, obrigando-os a satisfazerem-se com sexo  barato; os maus artistas, por outro motivo qualquer (também relacionado com sexo). O que não se deve nunca é ofender o público, obrigando-o a pensar. Tudo bem que o autor saiba mais que o leitor; “mas que ele tenha pensado mais não lhe será perdoado facilmente. O público é inclusive mais inteligente do que o autor culto, pois fica sabendo através de sua revista como a ilha de Corfu se chama em libanês, enquanto aquele teve que consultar uma enciclopédia primeito” (Karl Krauss)

EM ABRANTES TUDO COMO DANTES


“Enquanto a miséria cobre de cadáveres vossas ruas, de ladrões e assassinos vossas prisões, que vemos da parte dos escroques da fina sociedade? os exemplos mais corruptores, o mais revoltante cinismo, o banditismo mais desavergonhado…Não receais que o pobre que é citado ao banco dos criminosos por ter arrancado um pedaço de pão pelas grades de uma padaria se indigne o bastante, algum dia, para demolir pedra por pedra a Bolsa, um antro selvagem onde se roubam impunemente os tesouros do Estado, a fortuna das famílias”.

(in La Ruche populaire, nov. 1842)

Este trecho é citado por Foucault (“Vigiar e Punir”, 2010 (original de 1975), Editora Vozes, pp. 272-273) e acompanhado do seguinte comentário do autor: “…essa delinquência própria à riqueza é tolerada pelas leis e, quando lhe acontece cair em seus domínios, ela está segura da indulgência dos tribunais e da discrição da imprensa”.

domingo, 30 de outubro de 2011


 AUTOCOMISERAÇÃO

[texto de Rogério Soares]


Um passeio pelas redes sociais, esse intrépido passatempo moderno, e logo me deparo pensando em como as pessoas andam modestas. Em todos os lugares das redes elas se confessam a todo instante, politicamente desinteressadas, inteligentemente deficientes, indignas ou incapazes de realizarem qualquer coisa. Ninguém crê ou tem convicção de nada, a não ser de sua própria imperfeição. Elas se vêem sempre como mutiladas. Frases como: “o primeiro desejo da inteligência é desconfiar dela mesma” ou “é preciso coragem para ser imperfeito”, seguido, do clichê socrático, “só sei que nada sei” e “preferia ser um burro para não sofrer tanto”, entulham os perfis ou se somam às mensagens diárias que as pessoas enviam umas às outras. Ninguém quer parecer auto-suficiente. Nos dias atuais isso soa indigno. Vai daí que as coisas andem tão pantanosas como estão. Ninguém tem a mínima convicção de nada. Andam todos em círculos esperando a voz de um líder que os indique o caminho. Com tantas trilhas abertas eu me pergunto o que estão todos ainda esperando para se enfurnarem em uma delas. Sigam as picadas ou desbravem rotas alternativas. Parem de ler manuais de auto-ajuda.

[texto de Rogério Soares]

sábado, 29 de outubro de 2011

TRIP NO PIOLHO (texto de ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO)

[texto de antónio pedro ribeiro]

TRIP NO PIOLHO

Sou o maior poeta vivo. Poderia dizê-lo. Ainda estou vivo e não vejo outros melhores. Talvez esteja a exagerar. Mas o que é que me impede? Pelo menos, tal como Pessoa, escrevo a um ritmo frenético. Sou o maior poeta vivo. Bem, morto não estou. A médica fala-me de AVC's e de ataques cardíacos. Mas eu vou prosseguindo a viagem. Mesmo que venham dilúvios eu vou permanecer aqui. A conversa dos outros é a matéria-prima. Gostava das minhas primas mas já não as vejo há muito tempo. Segui o meu caminho. Para alguns, o caminho da perdição. Já me apelidaram de maldito. Os outros bebem e eu não. Não preciso. Estou com o pedal todo. D. Sebastião em Alcacer-Quibir com um exército de fantasmas. Sou o maior poeta vivo. O que ganho com isso? Ninguém paga a minha arte. Continuo a escrever. É isso que sei fazer. Poderia escrever continuamente durante horas e horas. Gasto tinta e papel. Têm um preço. Mas um valor muito superior. Porque raio é que uma maluca qualquer não vem falar comigo? Sou obrigado a ver jogos em cima de jogos? Sou o maior poeta vivo. Ser ou não ser, eis a questão. Só não utilizo palavras herméticas. Dama oculta, vem ter comigo esta noite. Dá-me o teu coração e a tua beleza. Estou no Piolho à tua espera, antes que chegue o chato do costume. Um homem puxa tanto pela cabeça e é esta a recompensa que tem? Estou lúcido como Álvaro de Campos. Pensar é a minha profissão. Passo os pensamentos para o papel. Hoje sou absolutamente capaz de o fazer. Não há limites, ó velhote do boné. No piolho escrevo o poema infinito. Escreverei até morrer. Emendo aqui e ali. Escrita automática et voilá. Eia, Breton, eia, Péret, eia, Artaud. Volto aos surrealistas. Por um lado, ainda bem que as mulheres não vêm. Nem elas nem ninguém. Produzo livremente. Olha, sou um trabalhador da palavra! E esta, ein, ó Fernando Pessa? Um operário da palavra. Um proletário, logo eu. Tantas vezes acusado de preguiça, de desleixo, de vadiagem. Sou vadio mas produzo. Vou montar uma fábrica. Empresário, eu? Deus me livre! E o que é que Deus tem a ver comigo? E o que é que é Deus? Porque se fala tanto em Deus? Deus morreu. Deus nunca existiu. Sou o maior poeta vivo. Bebo copos com ninguém. Estou em tertúlia comigo próprio. Olho as horas. Penso. Todo eu sou pensamento. Mas a miúda da mesa do lado fala. Existe. O velhote do boné também e o Adriano e os outros empregados e o sr. Martins e a Via Láctea e o Universo talvez até Deus
Poderia passar a vida a ler lia, comia, bebia, mijava, cagava e nem sequer fodia porque não me faria falta aliás, acho que se dá demasiada importância ao sexo posso viver como Fernando Pessoa posso julgar-me ao nível dele acho que vou voltar aos crofts e às macieiras há vinte anos em Ofir estava num determinado caminho de excesso a seguir uma via muito própria era único mas depois desviei-me as moedas em cima da mesa chegam para o café as duas miúdas que entraram são engraçadas o ministro das Finanças deprime-me se tivesse a carteira recheada ficava noite fora a beber tive dinheiro em Junho mas fiquei com tonturas por causa dos quadrados e dos rectângulos no chão ouço os meus semelhantes mas eles não me conseguem surpreender porra a merda do café também dá cá um speed imagina se passasse a tomar seis ou sete por dia o que não seria? Passar o dia inteiro a produzir sou o maior poeta vivo sou o pateta da caneta sou aquele que espera e não cai vou parar um pouco vou mijar interromper a obra-prima já disse, não vejo as minhas primas há muito tempo até gostava muito de uma mas enfim, não lhe liguei armei-me em poeta há qualquer droga que me faz escrever assim ou vem tudo da mente? Demente já fui agora sou um cidadão respeitável que vem escrever para o Piolho e que não deixa dívidas há 20 anos andei aqui aos berros por causa do Fidel o Tintin no ecrã o capitão Haddock com mil raios etc e tal chegarei a casa vivo ou desfalecerei exausto de trabalho? Tomai lá, ó obreiristas! Quem me explora? Onde está o meu salário?

[texto de antónio pedro ribeiro]

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O NEGRO DE KUBRICK E O NEGRO DE MECCA


Quem não se lembra daquela parede ou porta negra diante da qual os macacos suspendem a respiração? Aparece em "2001: Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick, e impressiona mais por ali estarem macacos e não humanos. Comove-nos a proximidade insuspeitada dos que julgávamos longe. Afinal eles (os macacos) não estão assim tão longe e olham o negro e talvez imaginem uma entrada para outro mundo ou uma parte indescoberta deste.

Não é bem assim – fui rever a cena e no início os macacos fazem um grande cagaçal, só depois é que se aproximam da pedra de forma mais contida, agora entendo: eu tinha gravado na memória a minha reacção àquela inesperada pedra negra. Nova complicação me surge: eu gostei daquela cena pela reação dos outros (os macacos-a-caminho-de-humanos) ou pela minha própria reacção à presença inesperada do objecto desconhecido? Há já pelo menos três elementos: 1) a reacção dos macacos: 2) a minha reacção à reacção dos macacos; 3) a minha reacção ao aparecimento mágico da pedra negra.

Voltando atrás: a cena com os macacos impressiona-nos mais do que se no seu lugar houvesse humanos e isto é assim por via desse longe que subitamente se faz perto - os macacos supreendem-se como nós, humanos, nos surpreenderíamos, e a descoberta desta espécie de irmandade entre nós e os macacos torna-se comovente. Esta comoção pode ser auto-referente: podemos imaginar os macacos como pré-humanos ou antepassados: Os macacos são outros e ao mesmo tempo são nós. A união de pontos distantes no universo gera a comoção, palavra que significa moção ou movimento simultâneo, ou melhor, duas ou mais coisas a moverem-se. Os macacos que olham a pedra negra estão a mover-se em direcção ao desconhecido (os humanos são o desconhecido-pressentido dos macacos, pelo menos numa visão humanocêntrica); os humanos que olham os macacos a olhar a pedra estão a dirigir-se ao mesmo tempo ao passado e às inquietações presentes (há sempre uma pedra negra perto de si).


Entretanto, em Mecca, alguns milhares de homens rezam voltados para uma parede negra, quadrada, uma caixa negra ou um buraco negro. É deus que está lá dentro, ou que não está lá dentro, mas se não estiver lá dentro é a sua enorme ausência que está lá dentro, em todo o seu esplendor de criatura de muitos criadores. Há muito que estes homens substituíram o pêlo pelo frio. É o frio que lhes pede que se juntem assim, quase encostados e com a cabeça no chão para o sangue subir um pouco mais e eles ficarem quentinhos e guardados dentro desse negro tão doce e tão negro.


Download grátis de "2001: A Space Odissey" aqui


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O CASO DO JANTAR INESPERADO NO LEME, RJ


Uma senhora na casa dos setenta aproxima-se de mim e usa palavras parecidas com estas:
- Bom dia, moço, se importaria que eu o convide para jantar?
Olhei a senhora e fui recebido pelo seu sorriso. Até os olhos sorriam, azuis e luminosos. Disse-lhe:
- Pode convidar. Mas eu gostaria de conhecer a motivação da senhora.
Nesse momento estávamos já a caminhar na mesma direcção.
- Fui enganada pela minha melhor amiga, que começou a dar em cima do meu amante. Gostaria de conversar com um homem educado, e o meu marido não gosta de jantar fora.

O jantar estava óptimo e a conversa correu animada. Creio que a idade dela me pesou apenas pela força das convenções sociais. Sabia que o carácter único do nosso encontro contribuía para a compensar da desilusão que me revelou. Eu era o estranho que ela encontrou na rua e aceitou o convite, como outros poderiam aceitar, a partir de agora, porque certamente não se consegue esquecer rapidamente a desilusão causada pela nossa melhor amiga.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

TW Hydrae


Esta bela estrela tem água suficiente para encher milhares de vezes os oceanos da Terra e está a apenas 175 anos-luz de nós. Não sei por que é que estas coisas me interessam. 


A joana serrado (na foto) conseguiu finalmente desatarrachar um post. Eu reparei, e sei que vocês também repararam. É um bocadinho lenta mas não é por mal. 

terça-feira, 25 de outubro de 2011

OS TRAVECOS DA LAPA



A Lapa é o país dos travecos (travestis). Alguns são mais femininos que as minhas ex-colegas da faculdade de direito. Têm os pés um pouco grandes, mas quando não têm chegam a ser mais perfeitos que a Marisa, uma ex-colega minha de direito que tinha os pés grandes. A Marisa tinha tudo pequeno (a boca, as maminhas, o cabelo), excepto os pés. Não podia usar sapatos de tacão porque não os encontrava à sua medida. Simpatizo muito com os travecos da Lapa. São estrangeiros como eu. Talvez um pouco mais, porque eu vivo num território estranho e no caso deles esse território é o corpo. Por outro lado, às vezes a vida deles é mais fácil que a minha, porque eles sempre podem tentar modificar o seu território, ao passo que o Brasil é um corpo demasiado grande e insondável para que eu pense sequer em mudar de sexo. 

STEVE JOBS


Era um chato que só pensava em trabalhar, fazer gadgets e ganhar dinheiro. O meu professor de filosofia do 12º ano é bem mais importante, bem como um certo mestre de yoga do Porto, o Rei do Limão (da Lapa, RJ)  e o senhor que faz francesinhas perto do Marquês, e também esta senhora (acho que é uma senhora mas pode ser um senhor, nunca se sabe)


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O ZORRO DOS BLOGS


A coisa boa de ter um blog é que não se paga em dinheiro paro o ter (mas paga-se em tempo). Num mundo onde a força política do indivíduo foi anulada num processo que tem na outra face a potencialização da sua inserção produtiva, ter um blog permite-nos ser como pequenos Zorros justiceiros que resgatam ao esquecimento aquelas coisas que nos merecem afecto. Ao partilhá-las com os leitores, estamos a pedir-lhes que legitimem a discreta despensa onde o nosso cérebro guarda aquilo que ainda somos: a nossa memória. Mas que justiça é esta, afinal, que a pretexto de resgatar pequenas pérolas arrastadas para o grande mar das sombras moribundas, visa sobretudo conservar a memória – o corpo – que as carrega?

Leitor hipócrita, é mesmo assim: salvamos sempre a melhor parte de nós. O universo é paradoxal e o pequeno Zorro não tem espada, nem revóver, nem a capa negra que lhe empresta o ar ridículo que todo o herói deve ter. Apenas um computador –  ridículo – e todos os sonhos da internet.

[O pequeno Zorro tem também um blog e com ele deve mudar o mundo…Ou não deixar que o mundo o mude? Enfim, permitam-lhe que adie a resposta para um próximo universo]

Agora ele precisa do tempo pra pendurar a roupa.

[ostra 1: Depressão Total (“Nova Crença”); ostra 2: Lucretia Divina (“Maria”)]

O “ARTISTA”, HOJE


Agora somos todos DJs (disc-jockeys) e VJs (video-jockeys). Já não temos a necessidade de criar alguma coisa (no sentido de criar vigente até ao início da internet popular, e que exigia uma dose de originalidade*; no ready-made de Duchamp ainda havia o esforço de legendagem, agora até disso se prescinde); basta-nos escolher a foto ou a piada ou o texto que queremos que os outros vejam no Facebook e congéneres e pronto: se as pessoas gostarem dão-nos os parabéns (isto é, curtem e laikam-nos). [*Também podíamos dizer que o conceito de originalidade se transformou numa função-selecção]

Somos seleccionadores e respigadores e é assim que nos tornamos úteis na hiper-realidade. Há pessoas que têm blogs onde se limitam a pôr objectos de outros (músicas e fotos, e também textos) e acham isso normal. (E é normal). Querem partilhar os seus gostos e por vezes são generosas. Acho que pensam que podem contribuir para melhorar a humanidade através da difusão de boa música e boas fotos, acreditando velozmente numa contaminação entre ética e estética.

Somos, no mundo virtual, como taxistas que não cobram pelos seus serviços.

Hoje o DJ/VJ traz duas versões de “Pale Blue Eyes”, a original dos The Velvet Underground e a cantada pela menina Marisa (ando com a mania de confrontar versões da mesma música mas isto passa): 


domingo, 23 de outubro de 2011

MISTER BREGA MISS POP


[LÍRICO] Não me falta deus no teu corpo sarado, nem no verão em que ele se perdoa. Não me falta deus na distância entre um campo e o motor da saudade, com os seus olhos e as suas asas e um ventre negro como a morte. Não sou exactamente humano, não me falta deus, não sou exactamente humano. [MENOS LÍRICO] Escuto uma canção simples, brega, diz-se, misturado com pop. Gosto de coisas misturadas, exerço a minha terrível sina: dou-te calor, um calor frio como o aço, examino com requinte o teu comportamento até cair inconsciente, contigo, num poço com muitas voltas antes do fim. [VISÃO] É noite, alguma coisa move-se, uma primeira coisa, feita de nós, uma coisa misturada, merda e suplícios e um pouco de calor, madrugada-quase: trazem-nos um termómetro para eu medir a temperatura do teu cabelo. [BUROCRACIA] Afasto esse mensageiro da Cidade. Antes de o matar, pago-lhe o almoço. Quase sinto pena, parecia feliz, um animal pequeno no estrito cumprimento do dever. Deixo-o. Volto-me para ti. Arranco o prego do coração e atiro-o para dentro de um cão. [MUSIC TIME, UNENDING] Sei tocar piano mas não tenho um piano aqui. É uma canção e eu não sei o que vai acontecer a seguir.



PINÓQUIO DIXIT




“Sou um grande mentiroso mas não é por mal. Está-me no sangue e, além do mais, as pessoas gostam. Há coisas bem piores como, por exemplo, alguém se sentar em cima do meu nariz enquanto eu falo ou, sei lá, ser primeiro-ministro.”