segunda-feira, 10 de outubro de 2011

EVANGELHO


A verdade é que uma boa mentira faz bem a toda a gente. Se eu lhe disser tudo o que sei, além de deixar de acreditar em mim, vai transformar-me num deus ainda mais pequeno, daqueles que têm medo de um dia enfraquecer. Em termos simples: não convém abrir a boca. Não falarás de Curitiba, da forma como um dia te perdeste nessa cidade fundada em 1693 a partir de um pequeno povoado bandeirante. Não saberás que a cidade se tornou uma importante parada comercial com a abertura da estrada tropeira entre Sorocaba e Viamão. Não. O joelho dela continua enfraquecido, subiu a uma alta torre e ficou perdida, olhando o mar, o passado, tudo o que ainda não perdeu. Trata-se da quinta maior economia do Brasil – o joelho dela aproxima-se do chão, acabou de descalçar os sapatos – e conta com diversas inovações urbanísticas: o seu sistema de transportes públicos inspirou o Transmilenio da cidade de Bogotá, na Colômbia.


Está descalça agora, com os pés sujos, a boca levemente indignada, o que me faz sorrir, disfarçadamente, como um menino tímido à procura de tudo o que merece. Não posso continuar assim e é preciso fazer alguma coisa. A hipótese mais popular para a origem do nome da cidade é a de que este derivaria da expressão indígena "curi'i ty(b) ba", que em língua guarani significa "muito pinhão”. Isto faz algum sentido? – pensa, os joelhos no chão, a boca, os seios esfregando o pó. Não te vou responder. A uma cidade nunca se responde. Dorme, acorda, dorme outra vez. Não invocarás em vão o meu nome, puta, até eu chegar.


Sem comentários: